sábado, 28 de fevereiro de 2009

Por que sou contra a reforma ortografica

Por Que Sou Contra o Acordo Ortográfico
Bárbara "Akyra" Rocha · Belo Horizonte (MG) · 16/2/2009 17:27 · 2 ·

Sim, sou contra o acordo ortográfico que tenta unificar a Língua Portuguesa. Muitos vão me olhar com uma cara estranha. Talvez pensar que é porque tenho 18, quase 19 anos, e ainda acho estranho escrever "joia" e "ideia" sem acento, ou "linguiça" e "tranquilo" sem trema. Alguns até chegam a dizer que eu só defendo o trema porque o acho bonitinho (e ousam afirmar que meu interesse no estudo do idioma alemão se refere a esse gosto estilístico pelos "pinguinhos" em cima das vogais).Mas essa não é a verdade.A verdade é que eu acho que, em primeiro lugar, língua é cultura. Língua é cultura. E cultura, a meu ver, não se unifica. Não se homogeneiza. Cultura é algo único. O português falado no Brasil é diferente do falado em Portugal, que é diferente do idioma que se fala em Goa, que é distinto do falado no Timor Leste e por aí vai. O Português é falado no Brasil, em Portugal, no Timor-Leste, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e antigos territórios da Índia portuguesa: Goa, Damão, Diu e Dadrá e Nagar-Aveli. É um idioma presente em praticamente todos os continentes. O contexto histórico, sociológico, econômico e cultural difere completamente entre esses muitos povos falantes de português. Na minha humilde opinião, unificar a língua é tentar tornar igual coisas diferentes. Ignorar anos de isolação geográfica e cultural. Tornar a língua - um ser vivo que passa por experiências de evolução, desenvolvimento e até mesmo de morte - uma coisa inanimada e desprovida de contexto. Apenas por se tratar de uma língua - desenvolvida em seus inúmeros dialetos - com uma origem comum.Mas até aí eu apenas menciono minhas idéias quanto à questão cultural da língua. Agora eu exponho minhas críticas quanto ao aspecto funcional do idioma. É claro que nós, que nascemos num país cuja língua oficial é o português, que o ouvimos desde bebês, estudamos desde criancinhas, é claro que nós sabemos que o "u" de linguiça é pronunciado, que o "e" de ideia é aberto, que pelo de cachorro é diferente de pelo preposição. Mas, e quanto a alguém que está agora a enveredar-se pelos caminhos do idioma latino? Eu falo por experiência própria - em meus estudos de alemão eu tenho dificuldade de pronunciar certas palavras porque a grafia delas não é clara. O trema é extremamente importante para mim. Não existe nenhuma outra indicação de que o "u" é pronunciado naquela palavra a não ser os dois "pinguinhos". Sem os acentos, como saber se aquela vogal é aberta ou fechada? Quem está vindo de fora, e chegando agora, terá uma grande dificuldade para aprender as palvras que foram modificadas com o acordo.Enfim. Os acentos diferenciais, os acentos indicativos de pronúncia, o trema, nenhum desses é inútil. Ao contrário, auxiliam e muito o falante, especialmente o novato. É uma grande injustiça com esses indivíduos retirar isso deles em nome de uma unificação também inútil, ameaçadora da cultura contextualizada.

Tema para dissertação.



O que você acha do novo Acordo Ortográfico?
Está em vigor o Acordo Ortográfico que unifica a escrita em todos os paises que falam português. Ainda causador de dúvidas e polêmicas, o Acordo mudou a grafia de apenas 0,5% das palavras escritas no Brasil. Para muitas pessoas, esse assunto é indiferente. Mas quem usa obrigatoriamente a ortografia oficial, como professores, jornalistas, redatores, editores, escritores e estudantes, tem muito o que decorar. "Esse Acordo só interessa ao Brasil", já gritaram certos portugueses. "É útil e facilitará o intercâmbio cultural entre paises lusófonos", retrucam especialistas. O fato é que até 2012, o país precisa se adequar às novas regras. O que você acha desse Acordo?

Intertextualidade

Língua. Caetano Veloso
Gosto de sentir a minha lígua roçar A língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar A criar confusões de prosódias E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa E sei que a poesias está para a prosa Assim como o amor está para a amizade E quem há de negar que esta lhe é superior E deixa os portugais morrerem à míngua "Minha pátria é minha língua" Fala mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode Esta língua? (...)
A última flor do Lácio. Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

NÃO É REFORMA, MINHA GENTE, É SÓ UM ACORDO!





Me espanta sempre a falta de criatividade (se é esse o nome do problema) dos jornalistas quando o assunto é língua. Existem temas interessantíssimos e questões cruciais para a compreensão das complexas relações entre língua e sociedade, mas esses profissionais da mídia só querem tratar do óbvio. E, para piorar, não lêem o que seus colegas publicam, procuram os especialistas (ou os falsos especialistas, na maioria dos casos) e perguntam as mesmas coisas, para obter as mesmas respostas já impressas e reimpressas. Como sou um dos rarissíssimos lingüistas brasileiros que descem da torre de marfim acadêmica e dão a cara a tapa na divulgação científica e na disposição ao debate em terreno leigo (só consigo pensar num único outro colega que também faz isso, Sírio Possenti, da Unicamp, em suas colunas semanais na internet), recebo todos os dias pelo menos um pedido de entrevista. E todos só querem saber de três entidades fabulosas: a "reforma" ortográfica (que não existe); o "gerundismo" (que também não existe) e a "língua" da internet (que existe tanto quanto a mula-sem-cabeça). As palavras empregadas já indicam, de saída, a absoluta falta de informação de quem faz as perguntas. Com isso, num exercício de paciência que, espero, vai acumular pontos no meu cartão-fidelidade para participar da comunhão dos santos, tento, primeiro, desmontar as perguntas para depois responder. Haja!


A quantidade de declarações infelizes, quando não francamente burras, que circulam hoje em dia sobre a questão ortográfica mereceria uma boa investigação sociológica. Por que esses discursos são tão refratários a qualquer racionalidade mínima? Por que é que pessoas, aparentemente inteligentes, têm coragem de dizer que a partir de agora não vamos mais dizer "lingüiça" mas "linghiça", porque o trema foi abolido? Que a supressão do acento em "ideia" vai dificultar saber se a vogal tônica é aberta ou fechada? Ora, não existe acento que diferencie "velha" de "telha", "a corte" e "o corte", "a cerca" e "ele cerca", e no entanto ninguém confunde o grau de abertura das vogais tônicas dessas palavras. Vamos estudar um pouquinho, gente?


Antes de tudo, é preciso bradar aos quatro ventos que não se trata de uma "reforma", mas simplesmente de um acordo que elimina as pequeninas diferenças que existem entre as duas convenções ortográficas que vigoram no mundo de língua portuguesa: a brasileira e a lusitana, que impera em Portugal e nos demais países ditos lusófonos. Uma reforma, para merecer esse nome, implicaria em alterações radicais na aparência escrita da língua, como aconteceu, por exemplo, em 1945, quando "physica" virou "física" e "rhythmo" virou "ritmo". Nada disso está sendo proposto agora. São apenas alguns poucos acentos gráficos que deixarão de ser usados, junto com o trema (que, pelo amor de Deus, não é um acento!), além de uma regulação do uso do hífen. Com isso, somente 0,5% das palavras escritas em português brasileiro sofrem alguma alteração. É muito, muito pouco para alguém falar de "reforma". Mas muita gente fala! Perdoa, Pai, eles não sabem o que fazem...Para não repetir o que já foi dito por outras pessoas mais competentes do que eu, remeto os leitores a dois textos primorosos, facilmente acessíveis. O primeiro é de José Luiz Fiorin e está disponível no meu site (www.marcosbagno.com.br) com o título "E agora, Portugal?". O outro é de Carlos Alberto Faraco e está no site do Museu da Língua Portuguesa (www.estacaodaluz.org.br) com o título "Uma mudança necessária". Nesses dois textos, o que se destaca é a análise política que eles fazem do Acordo. É essa que deveria interessar aos jornalistas, e não as novas regras de acentuação, que são pouquíssimas e podem ser aprendidas de cor em meia hora. Como escreve C. A. Faraco, "Portugal transformou a duplicidade de ortografias num instrumento político para embaraçar a presença brasileira seja nas relações com os demais países lusófonos, seja na promoção internacional da língua". E é isso mesmo. Muita gente naquele país totalmente desimportante na geopolítica global teme que o Brasil assuma, de fato e de direito, as rédeas na condução dos destinos da língua portuguesa no mundo, como se isso não fosse inevitável. Com o apego à ortografia que vigora lá e nos demais países, Portugal impede a livre circulação de material impresso no Brasil, sobretudo livros didáticos e dicionários; não reconhece os diplomas de proficiência em língua portuguesa que nós expedimos; exige que os organismos internacionais publiquem todos os seus documentos segundo as normas da grafia instituídas por lá etc. Trata-se de uma política lingüística tacanha, que tenta encobrir o sol brasileiro com a peneira minúscula da ortografia lusa. No Brasil vivem 90% dos falantes de português de todo o mundo. O português brasileiro (e não simplesmente "o português") é a terceira língua mais falada no Ocidente (depois do espanhol e do inglês). Se todos os habitantes de Portugal e dos outros países "lusófonos" (que de lusófonos não têm nada: neles só uma minoria fala português) deixassem de usar a língua, ainda assim essa posição do português brasileiro não se alteraria no panorama lingüístico global.


Defender a validade e a necessidade do Acordo ortográfico é defender a importância do Brasil e do português brasileiro no cenário mundial. É conferir auto-estima a um povo que, há meio milênio, vem sendo acusado de "arruinar" o "idioma de Camões". Arruinamos mesmo, pronto, e daí? Mas é sobre essas ruínas que estamos erguendo uma língua surpreendente, que deixa os lingüistas fascinados com as inovações sintáticas que estamos introduzindo, uma língua que é a cara do nosso povo, como têm quer ser (e de fato são) todas as línguas do mundo.


Autoria: Marcos Bagno. Texto publicado na revista Caros Amigos
http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/art_carosamigos-novembro2.htm. Acesso em 28/02/2009